Old

18 de junho de 2010

O Poço


Ele estava sempre ali.
Escuro, frio e silencioso.
Com uma corda de aspecto fragilmente robusto, um balde cor de bronze e a sua roldana enferrujada.
Acho que era granito, o que tinha á volta. Mas parecia sempre muito mais escuro e rugoso do que o granito. E cada vez que eu espreitava não conseguia descubrir o meu reflexo. Mirava apenas o fundo sem fim, um buraco negro, o vazio. Era nada. Já tinha experimentado atirar um calhau, mas depois de algum tempo interminável, só ouvia um baque surdo e discreto. Nunca tinha a certeza se havia, de facto, água. Ou se havia algo.
E eu costumava espreitar para o fundo, tentando descobrir algo de novo. Mas sentia-me mal. Era um fundo tão triste, tão melancólico, tão intenso. Causava saudades e solidão. Sustia a respiração e suspirava.

Até que chegou o dia. Não sei o que aconteceu. Mas eu olhei para o fundo com duas delicadas lágrimas a percorrerem-me o rosto. Não sei o que tinha causado. As lágrimas rolaram e provavelmente bateram lá no fundo ou perderam-se no caminho do vazio. O Poço retirou algo que era meu. Que egoísta. Aquelas duas gotas pertenciam-me. Eu tinha de ir buscá-las...
Então, fechei os olhos, inclinei-me no parapeito e mergulhei. Não me lembro se doeu ou não quando bati no fundo. Senti que já me tinha sido tirado algo antes de mergulhar no vazio. Por isso a cena seguinte de que me recordo apenas, foi olhar em volta para o frio, a força que me oprimia o peito, que apertava o coração e para o círculo de luz em cima, muito em cima. Eu estava sentado, com as mãos em volta das pernas, encolhido. Estava com medo... De quê exactamente? Talvez de enfrentar?

Devo ter ficado assim uns quantos segundos, minutos ou até horas, saboreado a solidão. Ahh, então era com estas coisas que se tornavam lentamente adultos, era através da dor que as pessoas amadureciam e criavam o seu escudo de independência e responsabilidade.

E decidi que tinha de acabar com isso, sentia que ainda era demasiado cedo para aprender uma vida inteira.

Apoiei as mãos naquele chão gelado e levantei-me. Estava um bocado tonto. Apoiei-me nas paredes curvas e deixei que o sangue corresse para baixo. Tinha de reflectir.
Olhei para cima e além do círculo de luz, o tecto do poço, vi algo a baloiçar, pendurado do alto. Baloiçando suavemente como se houvesse uma brisa a agitá-la. Era a corda.
A esperança.
Bastava eu esticar o braço e conseguia atingir perfeitamente a ponta da corda. Tinha um aspecto sólido. Puxei várias vezes para ver se cedia. Não cedeu.
Manti as mãos na corda e coloquei-me em posição para subir. Por sorte, a parede era rugosa, ajudava na escalada.
Gostaria de poder ter gritado, nesse momento. Um pedido de socorro desesperado. Porque rapidamente fiquei com as palmas suadas, fazendo-me escorregar, e exigindo o máximo de concentração. Mas o Poço situava-se no meio de um bosque, um local isolado.
Estava só. Só eu, e a corda, a esperança de sair dali.
Só tenho noção de que fiquei com as palmas das mãos arranhadas, a pedirem uma pausa, transpirava do esforço e sangrava por desidratação. Chorei. Mas sabia que não valia a pena. Eu deixei-me cair, agora tinha de escalar até á luz.
Foi no meio da frustação que ouvi o chiar.
Um chiar leve, como se fossem milhares de crianças num planeta distante, rindo-se.
E depois, sentia-me a subir suavemente.
A roldana estava a trabalhar sozinha.
Estava a ser puxado.
Deus estava do meu lado, ajudando-me.
Olhei para cima, maravilhado, cada vez mais perto da luz.
Sim, não era uma ilusão, a roldana velha e enfurrajada, estava mesmo a mover-se, sem ajuda de nenhum par de mãos.
E...

O rapaz acordou á entrada do bosque. Sentia o esforço recente, mas tudo podia ter sido um sonho, pois não se recordava da Ninfa bo Bosque que lhe trouxera até á entrada da floresta, fazendo-o prometer que nunca mais caíria dessa maneira, nunca mais se deixaria levar por um momento triste, nunca mais bateria tão fundo, até á depressão. Combateria sempre os maus momentos.
Ele apenas se recorda da exaustão, e da sensação de uma lição de vida não aprendida.

Afinal são apenas seres humanos. Dissimulam e esquecem acontecimentos desagradáveis, apenas acreditam no que desejam ouvir e esquecem-se de todo o esforço usado, repetindo sempre os mesmos erros.

Sem comentários:

Enviar um comentário