Old

7 de agosto de 2014

Delirium tremendoooooooooooooooooous.

Olha a maneira como ela fala para mim. Com a voz calma, controlada, suave, num tom baixo, dentro do audível. Mas com uma nota de tensão bem patente. Ela está insegura. Ela tem medo da minha imprevisibilidade. Diz que daqui a duas horas irei receber visitas. Diz para me portar bem. Portar bem? Que idade tenho? Quatro?! Só pode. Na verdade, para ser honesta, não tenho a certeza da minha idade. Não tenho mais acesso aos meus documentos pessoais. Não faço a mínima de que dia é hoje. Ou em que ano estamos. Ou há quanto tempo aqui estou.
O Dr. Silva começa a sessão pedindo a minha apresentação rotineira.

"Olá, o meu nome é Susana, tenho 21 anos e vivo em Algés."

Rotina idiota, mas necessária, diz ele. Uma consciencialização. Um memoir que supostamente testa a minha sanidade, pois tenho acessos amnésicos, em que ataco inocentes. Diz-me ele.

"Estou internada no Centro Psiquiátrico de Lisboa. "

Talvez até seja verdade. Mas como realmente provar? Como uma louca admite a loucura? Como uma sã admite a sanidade? Como sabe, como distingue a verdade, a realidade?
Sinto a cabeça pesada. Forma-se um burburinho, um ruído de fundo, por detrás da voz pastosa do Dr. Silva, que gradualmente aumenta de intensidade. Já não o ouço. Em vez disso, oiço aquela voz melancólica, aquela voz que me subordina. E estou fora de mim. Grito. Sinto-me a berrar a altos pulmões. Oiço o som estridente da minha própria voz, mas não a reconheço como minha. Parece que assisto ao sonho confuso de uma outra pessoa. Uma pessoa que desfechou o punho em torno do pisa papéis e que tenta atingir tudo o que estiver ao alcance. Folhas voam, material de escrita espalha-se pelo chão. O globo que enfeitava a mesa de madeira, caí, desprende-se da estrutura e rebola pelo chão. Eu chuto. Eu vejo o pânico do Doutor, o pânico de um menino que clama pela mamã, que estremece ao ritmo da minha respiração.

"Sim..."

E no segundo seguinte, o animal selvagem é domado por corpulentos homens de branco. Estrebucha, tenta livrar-se daquele casaco branco. Grita ainda mais. Ataca. Arremessa o pisa papéis contra o espelho. Estilhaços voam.  A criatura encara os cacos no chão, encara o reflexo dividido dos estilhaços no espelho. Espera, aquela sou eu?

Cena dois. O quarto branco do castigo. Estou sozinha. Ao menos o espaço é-me familiar. Ainda tenho aquele casaco merdoso vestido. Tenho os braços presos ao meu próprio corpo. Preciso de mijar. Sinto-me tonta. Injectaram-me outra vez alguma coisa que me deixa dormente, aqueles filhos da puta.




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